Não é segredo para ninguém que 2020 foi um ano difícil e desafiador. Em meio a uma pandemia que tem afetado desproporcionalmente pessoas negras, aumentado a carga de trabalho das mulheres, e aprofundado uma crise econômica e política no país, tentamos manter atividades que fizessem sentido para as integrantes do projeto e também para as alunas.
Neste texto, compartilhamos um pouco do que fizemos ao longo do ano e dos aprendizados que fomos adquirindo. Em breve compartilharemos também um texto sobre nossos planos e ideias para 2021! 😉
Completando 5 anos de história
Em 2020, o Minas Programam completou 5 anos de história—que só foram possíveis graças ao apoio de centenas de pessoas incríveis, meninas e mulheres talentosas, parcerias cheias de aprendizado. Em um país que nunca teve a intenção de ser um lugar onde meninas e mulheres negras pudessem sonhar, ter suas subjetividades reconhecidas e acessar conhecimento, é incrível poder criar um espaço para novas possibilidades. Por isso, nosso aniversário foi motivo de muita celebração (virtual!). Ao longo do mês de julho, comemoramos nossa trajetória através de posts no nosso instagram (aqui, aqui e aqui)! Também conversamos com dezenas de ex-alunas para saber mais sobre o impacto do Minas Programam nas suas vidas.
Imagens contendo fotos das organizadoras do Minas Programam e descrições das suas funções e interesses.
Pensando sobre a relação entre tecnologia e opressão
Este foi um ano em que debatemos muito sobre como as tecnologias digitais que usamos interagem com opressões estruturais, como racismo e machismo. Ao longo do ano, nós lemos livros e artigos que, se apoiando nos trabalhos de diversas teóricas do pensamento feminista negro, analisam como as tecnologias podem perpetuar desigualdades.
- Com a obra de Ruha Benjamin, aprendemos sobre como tecnologias podem ser usadas para aprofundar e acelerar o racismo.
- Lendo Simone Browne, entendemos como tecnologias de vigilância têm objetificado, categorizado e reprimido pessoas negras.
- O livro de Safiya Umoja Noble, nos mostrou como os mecanismos de busca que usamos todos os dias reproduzem narrativas que refletem uma distribuição de poder desigual na sociedade, prejudicando meninas e mulheres negras.
- Ao explorar Design Justice, de Sasha Constanza-Chock, aprendemos como o design de novas tecnologias pode ser liderado por comunidades marginalizadas e que o design explicitamente se propõe a desafiar as desigualdades estruturais.
- Também refletimos sobre porquê temos que ocupar espaços de governança da internet e traduzimos um kit de ferramentas da Glitch, uma organização do Reino Unido que trabalha para combater violência de gênero na internet.
Conforme foi crescendo nossa vontade de conversar mais profundamente sobre como as tecnologias digitais influenciam e interagem com as diferentes estruturas de opressão, resolvemos criar um grupo de estudos. Com a participação de 20 mulheres de cinco estados, o grupo se reunia virtualmente para discutir temas como: as relações entre gênero, racismo, desigualdade e acesso a tecnologias digitais, e as alternativas para a construção de um mundo digital que queremos. Essa experiência despertou muitas reflexões, nos lembrando da importância da criatividade no uso de métodos para compartilhar conhecimento e acendeu nossa vontade de imaginar como as tecnologias podem ser usadas para criar os mundos que sonhamos.
O desafio de trabalhar em espaços totalmente virtuais
Nossos cursos e atividades sempre aconteceram presencialmente em diversos lugares da cidade de São Paulo, o que sempre foi fundamental para nutrir um ambiente de aprendizado saudável, estabelecer uma conexão entre alunas e professoras, criando um senso de comunidade. Quando o ano começou, nós) tínhamos muitos planos sobre os caminhos que o Minas Programam tomaria. Então a pandemia começou e nós passamos algum tempo reimaginando como continuar a realizar atividades em meio a um contexto de distanciamento físico. Esse exercício de repensar como poderíamos realizar nossas atividades em ambientes virtuais levantou várias questões: como ter espaços acolhedores no ambiente virtual? Como fazer cursos virtuais quando tantas ferramentas usadas são pouco conhecidas e pouco acessíveis? E qual é o impacto de realizar todas as atividades virtualmente quando tantas meninas e mulheres negras não têm acesso a aparelhos adequados e/ou internet?
Com todas essas perguntas em mente, nós e a PretaLab elaboramos um ciclo formativo para mulheres negras tecnólogas. A ideia era criar um espaço onde as participantes pudessem desenvolver autonomia para aprender coisas novas e resolver problemas inesperados, ter mais independência e confiança para enfrentar desafios. Além disso, acessar conhecimentos necessários para o dia a dia do mercado de trabalho. A formação para tecnologistas independentes contou com mulheres negras de diversos estados brasileiros, que ao longo de 10 semanas se reuniram com uma equipe de professoras contratadas pelo Minas Programam. Os encontros foram uma construção coletiva, cheios de conhecimento, acolhimento, e identificação.
Este ano também trabalhamos com o pessoal do evento Hacktudo! Oferecemos uma oficina de segurança digital para iniciantes, conversamos sobre diversidade e tecnologia com muita gente legal, e realizamos um curso de introdução à programação (se você ficou interessada, dá uma olhada nas nossas dicas de como aprender a programar).
2020 nos mostrou que, com todas as dificuldades e limitações de acesso, ainda é possível criar vínculos e manter espaços saudáveis e afetuosos de aprendizagem no ambiente virtual. Aprendemos que diante de grandes crises (como esta que estamos vivendo), é importante sempre reconhecer o contexto das nossas alunas e pensar em atividades que levem em conta suas realidades. Também foi incrível contar com a presença de mulheres de outras cidades e estados (e não só de São Paulo). Por fim, realizar tantas atividades virtualmente mostrou que, para fazer o conhecimento chegar onde ele não está chegando, é necessário investir em empréstimos e/ou doações de computadores e facilitar o acesso à internet.
Conversas e diálogos
- Com o pessoal das Fábricas de Cultura, convidamos mulheres negras que já passaram por nossas atividades a contarem um pouco de suas trajetórias. Também conversamos com Lucy Anne de Omena sobre os caminhos que a levaram a ser uma cientista de dados.
- Fizemos uma palestra no “Fórum Profissional Feminina e o Mercado“, organizado pelo Centro Paula Souza.
- Conversamos com o pessoal do Instituto Alana sobre a participação das crianças no mundo digital durante o evento “Ser criança no mundo digital”.
- A convite de um grupo de estudantes da Universidade de Nova York (NYU), compartilhamos sobre nossas experiências criando espaços seguros para meninas e mulheres aprenderem sobre tecnologias.
- Para a Forbes, relatamos nossa experiência com o grupo de estudos e ressaltamos a importância de trazermos mais mulheres negras para tecnologia.
- No painel sobre tecnologia e sociedade da conferência BrazilJS.live, debatemos a pergunta: “ainda é possível salvar a internet?” com um monte de gente bacana.
- Durante o seminário Conectadas e Seguras, organizado pela organização Plan International, debatemos a urgência de combatermos a violência de gênero no ambiente virtual.
- Em uma conversa com a jornalista Ani Hao para a GenderIT, falamos sobre ativismo feminista e os desafios de criar espaços para mulheres negras aprenderem sobre tecnologia.
Em 2020 o Minas Programam contou com os apoios de FRIDA The Young Feminist Fund e do Edital Elas Periféricas, da Fundação Tide Setubal.