Oi, minas! Estamos inaugurando uma série de textos sobre as histórias de mulheres negras que trabalham nas áreas de tecnologia e ciências. O primeiro texto da série traz a trajetória de Luanna Teofillo, fundadora da Doorbell Ventures e criadora do blog Efigênias.

Formada em Direito pela Universidade Mackenzie, a Luanna sempre amou tecnologia, comunicação e cultura digital. Depois de criar o blog Efigênias, fazer Mestrado em Linguística na França e trabalhar como Panel Manager em um painel de consumidores em Paris, ela fundou seu próprio negócio: uma startup de desenvolvimento de negócios, a Doorbell Ventures. E foi assim que surgiu a BAP Store, um e-commerce de produtos afro, e o Painel BAP, o primeiro painel de consumidores especializado no público afrodescendente e afroconsumidores.

As experiências de Luanna no mercado de trabalho brasileiro são um exemplo de como muitas corporações ainda são extremamente racistas e machistas. Na última empresa onde trabalhou, Luanna foi discriminada, humilhada e despedida por ter trançado seu cabelo. Durante nossa entrevista, Luanna aponta como as “grandes empresas todos os dias perdem grandes profissionais por conta do racismo, da homofobia, da xenofobia”.

Segundo Luanna, as empresas precisam “fazer mais do que apenas colocar um preto numa propaganda ou usar palavras bonitas como diversidade e inclusão”. É preciso que essas empresas de fato promovam medidas de inclusão, acesso e crescimento dentro das empresas. “A era da falação acabou, queremos ação e atitude contra o racismo e o machismo”, afirma Luanna.

Veja a entrevista da Luanna na íntegra abaixo:

Minas Programam: Será que você pode contar um pouco da sua história?

Luanna Teofillo: Meu nome é Luanna Teofillo e sou aqui de São Paulo. Estudei Direito na Universidade Mackenzie e assim que me formei em 2008 eu fui viajar pela Europa e ao terminar meu mochilão após três meses fui morar em Buenos Aires com a intenção de fazer carreira na internet. Eu sempre amei tecnologia e queria trabalhar na rede. Na Argentina, aos poucos fui me integrando com a cultura digital, comecei fazendo traduções, depois criando conteúdo e trabalhar em uma empresa digital espanhola como Content Manager. Nesta época nasceu o blog Efigenias e fui me aprofundando na cultura da internet e ganhando mais experiência até chegar nas empresas de Linguística Computacional. Trabalhei em alguns projetos de NLP (Natural Language Processing). Me apaixonei e decidi fazer um Mestrado em Linguística para poder me destacar na área e fui estudar na Universidade Sorbonne Nouvelle na França. Lá tive grandes oportunidades pessoais, acadêmicas e profissionais que mudaram totalmente minha vida.

Em 2010 eu fui contratada para ser Panel Manager de um painel de consumidores em Paris e foi amor a primeira vista. Além de Country e Community Manager do painel, eu me tornei Business Developer e não parei mais. Em 2012 criei uma pequena startup de desenvolvimento de negócios chamada Doorbell Ventures, onde a ideia era transformar minhas habilidades, interesses e conhecimentos em negócios digitais e modelos monetizáveis. Atualmente a Doorbell conta em sua rede de publishers com blogs (Efigenias e Onde NÃO ir em Paris), páginas de Facebook (Das Efigenias) e até performances semânticas digitais como Samba Abstrato e #MOBF.  Em 2013 a Doorbell lança a BAP Store, que nasce como um e-commerce de produtos afro e que deu origem ao Painel BAP, que está em desenvolvimento.

O Painel BAP é o primeiro painel de consumidores especializado no público afrodescendente e afroconsumidores, onde as pessoas participam de pesquisas de mercado remuneradas e impactam diretamente na decisão das empresas sobre produtos e serviços. O objetivo do painel, além de aumentar a influência da nossa comunidade no mercado é criar um marketplace dentro da BAP Store onde empreendedores pretos poderão divulgar seus produtos e serviços como recompensas pelas pesquisas do painel. Fortalecendo conceitos como Black Money e comunidade inclusiva, o Painel BAP vem para quebrar paradigmas de mercado e fortalecer a voz e a economia da nossa comunidade.

Minas Programam: Como você escolheu sua área de atuação? Por quê escolheu estudar e trabalhar com isso?

Luanna Teofillo: Eu sempre me interessei por linguagem e comunicação e trabalhar na internet sempre foi um objetivo de vida. Atualmente eu trabalho home-based e por muitos anos representei empresas internacionais trabalhando online. Isso me possibilita ter uma rotina diária mais saudável e combinar minha vida social e familiar que são as coisas mais importantes. Trabalhar na internet é também algo de expressão existencial, fazer parte desse movimento na era do conhecimento e dar minha contribuição. Eu amo a linguagem e o tempo da internet e vejo que profissionalmente as chances de inclusão são mais democráticas que no ambiente corporativo ainda muito baseado no racismo e preconceito. Na internet é possível ter uma chance, criar um espaço, um nicho. O sucesso dos grandes Youtubers demonstra bem isso, enquanto a TV, como ambiente corporativo, exclui as minorias ou se apropria delas, na internet essas minorias têm voz e há mais espaço e possibilidade de projeção e sucesso.

Minas Programam: O racismo e o machismo estão presentes nas trajetórias de todas de nós, mulheres negras. Você teve/tem que lidar com isso nas instituições (de ensino e de trabalho) que você frequenta? Se sim, como foi essa experiência? Quais os principais obstáculos que enfrentou?

Luanna Teofillo: Na última empresa onde trabalhei eu fui discriminada, humilhada e despedida por ter trançado meu cabelo. Uma empresa internacional de comunicação que dizia apoiar a diversidade, na verdade apoia o racismo pois não fez nada para remediar a situação que hoje se encontra em discussão na Justiça. É lamentável que uma profissional seja impedida de exercer sua profissão e ter uma identidade cultural, mas sabemos o quanto isso é comum no Brasil. Se uma empresa internacional faz isso com uma executiva, imagine o que passam as empregadas domésticas, trabalhadoras braçais, jovens entrando no mundo do trabalho? Algumas corporações, principalmente as que estão em processo de decadência por não se adaptarem aos novos tempos, se tornam um local sombrio e não-amigável para mulheres que sofrem com o machismo, pretos que são discriminados, e outras minorias que sequer são representadas.

Na minha trajetória eu tive a oportunidade de trabalhar em empresas onde conheci amigos maravilhosos e aprendi muito, mas as últimas experiências que tive no Brasil me afastaram totalmente das corporações, não tenho mais interesse em perder meu tempo lidando com as neuroses raciais e de gênero dos colegas e da gerência que acha que por contratar pretos e mulheres, já fez seu trabalho no quesito inclusão e respeito a dignidade humano. Trabalhar no meu próprio negócio me dá a chance de ser realmente criativas e usar a minha inteligência e meu tempo para obter resultados todos os dias e isso seria impossível em uma empresa que não sabe valorizar o valor individual e cultural das pessoas. Grandes empresas todos os dias perdem grandes profissionais por conta do racismo, da homofobia, da xenofobia.

Minas Programam: É importante que discutamos gênero e raça nas ciências e tecnologia? Por quê?

Luanna Teofillo: Com certeza. Até mesmo para garantir a sobrevivência dessas empresas. Hoje em dias, as empresas têm que fazer mais do que apenas colocar um preto numa propaganda (#MOBF), ou usar palavras  bonitas como diversidade e inclusão se de fato não agirem para que minorias tenham chance de acesso e crescimento dentro das empresas. A era da falação acabou, queremos ação e atitude contra o racismo e o machismo!

Minas Programam: Vivemos em um contexto de constante menosprezo do intelecto das mulheres negras. Ao longo de suas trajetórias educacionais, meninas negras são pouco estimuladas a seguirem carreiras que fogem dos estereótipos de sempre. Como você acha que podemos quebrar esse ciclo? Que oportunidades fizeram a diferença pra você?

Luanna Teofillo: Sem dúvida, empreender na área digital é algo que começar a fazer parte da cultura feminina. As mulheres pretas cada vez mais entendem a internet como ambiente mais democrático e acessível onde podemos criar nossos espaços. A minha vida escolar, profissional e acadêmica, não foi muito diferente de todas as meninas pretas: limitação baseada no gênero e na cor, descrença no meu potencial, exclusão, preconceito… mas por sorte eu nasci numa casa onde fui muito estimulada intelectualmente e o amor pela erudição e o sonho de ter uma vida internacional, onde eu pudesse estar em vários lugares e conversar com pessoas de diversas origens são os elemento místico que me movem todos os dias. Eu sempre digo que meu sonho é coletivo, quero o melhor para mim e para a minha comunidade. Meu trabalho se fortalece no estudo e na ação direta para criar boas condições de desenvolvimento, mas também de um amor infinito pelo meu povo, a nossa cultura e a certeza que nosso potencial é tão grande, que eu não faço mais do que meu dever de trabalhar para que este sonho se realize.