Gabriela Mattos nasceu em Barreiras, no interior da Bahia. Depois de fazer curso Técnico em Informática, se formou em Ciência da Computação na UFSCar, em São Carlos. Em julho ela começa a trabalhar na ThoughtWorks.

Cofundadora de dois grupos de mulheres que atuam na região de São Carlos, o PyLadies São Carlos e o Women@Comp, Gabriela considera a computação uma oportunidade de ajudar pessoas e melhorar o mundo: “escolhi a computação como um ‘meio’, não como um ‘fim'”.

A graduação de Gabriela foi um momento crucial para que ela desenvolvesse conhecimento técnico: participou de muitos eventos, viajou bastante, ministrou minicursos, deu palestras, fez estágio. A experiência universitária também rendeu muito crescimento pessoal, em especial através do contato com outras mulheres da área: “até sentar com outras meninas no meu segundo ano de graduação e conversar sobre situações de machismo que já tinham ocorrido eu achava tudo muito normal e aceitável”.

“Quem me apresentou o racismo na área de computação foi o mercado de trabalho”. Apesar do currículo excelente e do bom desempenho em entrevistas, Gabriela recebia apenas respostas negativas ou retorno algum. “Em uma das entrevistas, nem direito a sala de reunião eu tive. Foi na área de fora do escritório mesmo. Sim! Viajei pra São Paulo, quase quatro horas de São Carlos, para fazer uma entrevista que durou 15 minutos na varanda do prédio”.

A Gabriela contou pra gente que acredita que “além de proporcionar espaços para discussão e para aprendizado sobre computação, é necessário também dar o valor para as mulheres que estiveram e estão na computação”. Essas mulheres serão os exemplos que várias minas por aí vão seguir! 😉

Leiam a entrevista da Gabriela, tá incrível:

Minas Programam: Conta pra gente um pouco da sua história?

Gabriela Mattos: Eu nasci em Barreiras, uma cidade no interior da Bahia. Lá cresci e tive oportunidades que me fizeram sentir uma “adulta” com 17 anos.  Uma dessas oportunidades que consegui foi entrar num curso técnico integrado com ensino médio em uma instituição federal, o Instituto Federal da Bahia – Campus Barreiras. Entrei no curso Técnico em Informática (as outras opções eram Edificações e Alimentos), pois na minha cabeça era o que “menos se distanciava” do curso superior que eu queria fazer: Direito. De uma adolescente que a única certeza que tinha era ser advogada, saí do técnico com mil dúvidas sobre o que queria. Mas a certeza de que eu gostava da ideia de ajudar pessoas e mudar o mundo de alguma forma, então eu queria continuar fazendo isso. Na época do vestibular a decisão de prestar Computação estava ligada a ter que morar longe de casa, já que as perspectivas da área na região não eram tão boas. Após muitas conversas com meus pais, tomei a decisão de ir pra São Carlos e fazer Bacharelado Ciência da Computação na UFSCar, uma cidade onde eu não conhecia ninguém, mas que era denominada a “Capital da Tecnologia”.

Junto com a decisão de mudar pra tão longe, veio uma obrigação muito forte na minha cabeça: eu precisava dar o meu melhor durante aqueles 4 anos, por mim e pela minha família. Foi o que fiz, usei os 4 anos para participar de tudo que eu tinha oportunidade e estudar muito. Estive em diversos eventos e grupos de extensão nesses 4 anos, mas o que mais me fez crescer, pessoal e profissionalmente, foi a oportunidade de conhecer e discutir sobre a falta de diversidade na computação. Sou cofundadora de dois grupos de mulheres que atuam na região de São Carlos: PyLadies São Carlos e Women@Comp. Esses grupos me possibilitaram conhecer diversas histórias e entender o preconceito, que até então achava que eram apenas “brincadeiras”. Fiz tudo isso sem abandonar o desenvolvimento técnico: participei de um programa da Intel, onde fui embaixadora da empresa na UFSCar. Esse programa me permitiu desenvolver meu lado técnico e conhecer pessoas incríveis tecnicamente.

Clique para conhecer mais sobre os grupos: PyLadies São Carlos Women@Comp

Esses dois lados durante a graduação, o lado social e o lado técnico, me fizeram crescer muito. Participei de muitos eventos, viajei bastante, ministrei minicursos, dei palestras e tive um super networking… tudo isso em 4 anos de graduação. Sem dúvidas, foram 4 anos bem aproveitados! Nesse último ano estive fazendo estágio e depois fui efetivada em uma empresa de desenvolvimento de software com foco em produtos para acessibilidade em TV Digital chamada ShowCase PRO. Foi uma ótima experiência de mercado que até então eu ainda não tinha tido e que sem dúvidas desenvolveu ainda mais meu lado técnico.

Como aquela vontade de mudar o mundo (ao menos o que eu vivo) que meu lado emocional nunca me deixou perder, eu senti que queria e precisava de mais. Surgiu “uma anja” na minha vida que me apresentou a ThoughtWorks (TW) e me fez participar do processo seletivo. A TW despertou toda minha vontade de unir meu lado técnico e emocional. Eu quero trabalhar pelos dois, não quero mais me dividir em duas grandes vontades. É o que pretendo fazer a partir de Julho quando começo minha jornada de ThoughtWorker em Belo Horizonte.

Minas Programam: Como foi a decisão de estudar e trabalhar com tecnologia?

Gabriela Mattos: Meu grande sonho de criança e adolescente era ser advogada. Minha família sempre incentivou minha personalidade forte e teimosia e a enxergava como algo que seria muito bem aproveitado nessa profissão. Fui obrigada a fazer o técnico para ter oportunidade de estudar em uma escola pública de qualidade durante o ensino médio, já que a federal era a única que proporciona isso na minha cidade. Como comentei anteriormente, escolhi o Técnico em Informática por falta de opção. Mas desde o início tive muita facilidade com as disciplinas de programação, e era algo que eu estudava porque eu gostava. Me dei bem também nas disciplinas de exatas, mas já as de humanas eu sempre precisava estudar muito mais pra conseguir manter minhas notas boas.

Mesmo com essa clara tendência para exatas, eu ainda teimava que tinha nascido pra ser advogada. Foi então que no meu último ano tive a oportunidade de participar de um concurso de estágio no Ministério Público Federal da Bahia e passar. Fiquei por quase um ano lá e tive contato direto com pessoas que tinham feito o curso de direito e com causas que como advogada poderia atuar. O que mais gostei durante o estágio foi ver indígenas indo lá defender seus direitos e sua cultura. Eu ficava emocionada com as histórias, mas encantada com o quão importante eram para eles sua cultura e sua terra. Nessa época eu ainda tinha uma tendência maior ao direito.

Como se tratava de um estágio extracurricular, tive que fazer o TCC para concluir o Técnico em Informática. Mais uma vez fui agraciada com “uma anja” na minha vida e ela me ajudou a decidir uma tema que pudesse combinar meu gosto por direito com a informática, chegando a: Inclusão Digital em Aldeias Indígenas. Foi uma experiência ímpar e com certeza um divisor de águas, já que me mostrou que a computação poderia me possibilitar o mesmo que como advogada eu queria fazer: ajudar pessoas e lutar por causas relevantes.

Com essa dúvida entre direito e computação acabei prestando os dois cursos nos vestibulares. Mas escolhi continuar na área de computação por sentir que era a área que me possibilitaria maiores oportunidades para ajudar pessoas e melhorar o mundo de alguma forma. Enfim, acho que escolhi a computação como um “meio”, não como um “fim”.

Minas Programam: Você teve/tem que lidar com racismo e machismo nas instituições (de ensino e de trabalho) que você frequenta? Se sim, como foi essa experiência? Quais os principais obstáculos que enfrentou?

Gabriela Mattos: Eu fui criada em uma família majoritariamente branca, mas com uma cabeça bem aberta, sem grandes preconceitos e com mulheres que lutavam pelo que queria. Meus pais me criaram muito bem, me deram tudo que eles podiam e uma educação que me incentivava a escutar outras pessoas e tratar todo mundo igualmente. Mas eu cresci sendo chamada de “morena” e achando isso ok, então acredito que isso fez minha cabeça não ver atitudes de preconceitos ou de racismo ou não sofrer tanto com isso.

Até sentar com outras meninas no meu segundo ano de graduação e conversar sobre situações de machismo que já tinham ocorrido eu achava tudo muito normal e aceitável. Depois disso comecei a ver o machismo que antes era velado com brincadeiras e “comentários sem a intenção de ferir”. Foi um choque abrir a mente, mas minha personalidade forte sempre fez eu revidar quando achava necessário.

Só que minha personalidade não aguentou quando o preconceito foi por causa da cor da minha pele. Quem me apresentou o racismo na área de computação foi o mercado de trabalho, eu estava em busca de estágio e por mais que meu currículo fosse bom e eu acreditasse que estava indo bem nas entrevistas, as respostas ou eram negativas ou nem vinham. Em uma das entrevistas, nem direito a sala de reunião eu tive. Foi na área de fora do escritório mesmo. Sim! Viajei pra São Paulo, quase 4h de São Carlos, para fazer uma entrevista que durou 15 minutos na varanda do prédio. A gente tenta pensar que não foi racismo porque é mais fácil negar, ou porque eu sempre fui tratada como uma “morena”. Mas tem uma hora que precisamos lidar com o mundo como ele é e foram mulheres da área e mulheres negras que me mostraram que eu precisava lidar com essa realidade, que eu era negra e o “morena” era uma forma de me privar de enxergar o racismo. Eu conto um pouco mais sobre essa passagem de mulher empoderada e mulher negra empoderada nesse texto de desabafo.

Minas Programam: Qual a importância de discutirmos gênero e raça nas ciências e tecnologia?

Gabriela Mattos: É imprescindível discutir esses temas em ciências e tecnologias e em todos os espaços no geral. Para mim, em ciências e tecnologias as discussões são importantes por dois aspectos: empoderar pessoas para entrar na área e permanecer, como aconteceu comigo quando sofri preconceito; e para conscientizar quem já está na área para acabar com o preconceito e aumentar a diversidade, já que a maioria (composta por homens, brancos e hétero) precisa fazer parte dessa mudança (e como já escutei muitas vezes, eles não percebem que estão sendo preconceituosos). Mas claro discutir é apenas o primeiro passo para a mudança que precisa ser feita. Atitudes e iniciativas devem vir junto (e já estão vindo)!  

Minas Programam: Ao longo de nossas trajetórias educacionais, nós, mulheres negras, somos pouco estimuladas a seguirem carreiras que fogem dos estereótipos de sempre. Como você acha que podemos quebrar esse ciclo? Que oportunidades fizeram a diferença pra você?

Gabriela Mattos: Eu acredito nos grandes exemplos. Eu tive exemplo de grandes mulheres na minha família que me fizeram correr atrás do que eu queria. E depois, tive exemplos de mulheres da área que estavam lutando pelo seu espaço e exemplos de mulheres negras militando contra o racismo, que me fizeram querer lutar pela causa de mulheres na computação e feminismo negro. Então, acredito que além de proporcionar espaços para discussão e para aprendizado sobre computação, é necessário também dar o valor para as mulheres que estiveram e estão na computação. Pois elas serão os exemplos que poderão ser seguidos futuramente.