Como parte das atividades propostas pelo Fundo Elas+, estávamos presentes no evento Diálogo Mulheres em Movimento, entre 20 e 23 de março de 2023, na cidade do Rio de Janeiro. Nesses dias, nós tivemos a oportunidade de encontrar as potências criativas originadas nas lutas de mulheres jovens negras, indígenas e periféricas e muitas outras. Neste encontro super intenso, ampliamos muito o nosso debate e perspectiva sobre as questões de gênero, raça e tecnologia no contexto brasileiro.

Logo no início do evento, todas nós participantes fomos convidadas a pensar criticamente sobre o uso das tecnologias digitais ali, tanto pelas questões de privacidade mas também pela segurança das pessoas ativistas que estavam presentes. Além das questões mais técnicas como a segurança no uso de redes públicas de wi-fi, nós fomos convidadas a pensar que muitas vezes, por estarmos tão acostumadas à imediatez das redes, não nos questionamos se a prática de postar formas de identificação (rosto, tatuagens, voz, adereços) ou a localização de outras pessoas pode colocá-las em risco. Nós já conversamos por aqui como esta questão de vigilância e segurança digital é particularmente delicada para pessoas racializadas e ativistas.

E essa interseção entre as pautas de gênero, raça e a tecnologia continuou presente em todo o Diálogo. No primeiro dia de conversas, a pesquisadora Sônia Corrêa (Observatório de Sexualidade e Política) abordou o papel central da educação na guerra ideológica anti feminista. Ela demonstrou como na última década a vigilância ideológica nas escolas e as redes transnacionais de investimento para o fortalecimento de pautas anti gênero se fortaleceram para limitar avanços e trazer grandes retrocessos, tendo as tecnologias de comunicação como uma poderosa ferramenta. Ao final de sua fala, ela apresentou uma pergunta que nos fez pensar bastante: “Como resistir enquanto feministas e ainda fazer projetos de longo prazo?”.

Nos oito anos de Minas Programam, trabalhamos para produzir uma mudança no imaginário de quem são as pessoas que pensam e produzem tecnologia. Para isso, nós sabemos que é muito importante reconhecer as mulheres negras e periféricas e suas contribuições para a tecnologia e a sociedade. Seus saberes, seus interesses, suas necessidades, suas lutas. Quem são essas mulheres? O que elas estão fazendo?

Nós estamos constantemente aprendendo que é necessária a construção de conhecimentos de forma mais coletiva e democrática. É urgente a criação de mais espaços seguros de aprendizagem em tecnologia e acolhida no processo de acesso ao conhecimento. Para isso, os saberes não acadêmicos também precisam ser valorizados.

Ali, naquele evento, nós tivemos a chance de ouvir e conversar com muitas mulheres, pessoas trans e não bináries, ativistas, políticas, pesquisadoras e trabalhadoras de diversas áreas sobre oportunidades de ativismo em relação à defesa da democracia e reconstrução da esfera de direitos. Quais os desafios que enfrentam e as estratégias que estão criando? Como a tecnologia atravessa seus modos de vida?

A partir desta reflexão colocamos nossa atenção nas tecnologias que estão sendo criadas ao longo de muito tempo pelas mulheres e pessoas de luta, como a rádio de muitas e diversas comunidades, a agrofloresta das trabalhadoras rurais, a tradição dos quilombos, dos terreiros, das comunidades indígenas e das ribeirinhas, para ficar em apenas alguns poucos exemplos.

Nos chama a atenção principalmente como essas tecnologias funcionam a partir de redes de mobilização. Redes em constante movimento que ora são pretas ou indígenas mas muitas vezes também lésbicas e trans. Redes de mães que perderam seus filhos para a violência que criam redes de cuidados para outras mães e filhos. Redes de sobreviventes do sistema prisional que constroem possibilidades de futuro para outras dentro e fora das prisões. Redes que se mobilizam para ocupar a política, legislar, regulamentar, legalizar. Que operam nas mídias digitais e nas ruas, assim como nas florestas e territórios sagrados.

Nossa principal reflexão a partir desse encontro é como o Minas Programam pode contribuir para a ação coletiva de outras feministas?

Quando participamos da atividade para a qual estávamos inscritas ficamos muito interessadas em fazer alianças com organizações da luta por moradia, das trabalhadoras sexuais, das coletivas LGBTQIAN+, das trabalhadoras domésticas e muitas outras. Muitas companheiras nos contaram que necessitam de espaços de formação em tecnologia para as pessoas da organização, e que conhecimentos em tecnologia fortaleceria muito suas organizações. Com isso, percebemos que a demanda por formação crítica e acolhedora em tecnologia dentro das organizações que lutam por justiça social é imensa.

Logo dessas reflexões, o Minas Programam passou a buscar novas formas para fazer alianças e parcerias que proporcionem um fortalecimento da nossa capacidade de ação política coletiva por direitos. Acreditamos que a formação e ampliação de redes de acolhimento e transmissão de saberes entre organizações de mulheres negras, indígenas e periféricas, é nossa maior potência para a ação política coletiva a longo prazo.