Na imagem é possível ver uma jovem mulher negra, usando óculos e camisa branca, mexendo em um celular.

Foto de Ketut Subiyanto via Pexels. 

Um dos nossos principais desafios tem sido elaborar um curso online de introdução à programação considerando as grandes desigualdades no acesso à internet e às tecnologias digitais no Brasil. 

Além do acesso à infraestrutura, a experiência de estudar através de aulas virtuais não é a mesma para todas as nossas alunas. Dependendo do contexto em que vivem, acompanhar um curso de programação exclusivamente online  pode ser desafiador.

Não estamos igualmente conectadas

Em 2021, a pesquisa “TIC Domicílios”, realizada anualmente pelo Cetic.br, indicou que a internet foi acessada por 81% da população brasileira. Para quem não se aprofunda nos resultados, esse número pode dar uma noção equivocada de quão conectadas as pessoas estão. 

Nem todas as pessoas conseguem acessar todos os conteúdos que desejam e realizar todas as atividades que precisam. No Brasil, ainda que muitas pessoas tenham passado a acessar a internet com mais frequência nos últimos anos, o celular ainda é a forma mais comum de conexão, o que limita consideravelmente que tipos de atividades as pessoas podem realizar online. Ao mesmo tempo, existem muitas dificuldades no tipo de acesso: muitas pessoas não têm acesso próprio à internet em suas casas, contando com pacotes de dados limitados ou dependendo do uso de redes públicas, e outras tantas enfrentam obstáculos relacionados à falta de infraestrutura, cobertura, qualidade e preços.

Essa é a realidade de muitas de nossas alunas. Na nossa experiência, a falta de acesso à cobertura de qualidade e a equipamentos apropriados se torna um grande obstáculo na hora de estudar programação. 

Cerca de 30% das nossas alunas precisam de doação de computador para acompanhar o curso adequadamente, pois utilizam apenas o celular para estudar, trabalhar e usar redes sociais; ou têm um computador antigo compartilhado entre várias pessoas da família, que não suporta a instalação de programas usados no curso, por exemplo. Ainda que o Minas Programam e nossos parceiros realizem doações de máquinas, nossas alunas e ex-alunas, principalmente aquelas que vivem nas periferias das grandes cidades ou moram fora da região sudeste, lidam constantemente com baixa qualidade da conexão, cobertura limitada, preços altos e infraestruturas limitadas. 

Ao longo da mais recente edição do nosso curso de introdução à programação, cerca de 22% das nossas alunas relataram que os principais obstáculos na trajetórias delas no curso eram questões de acesso à internet e qualidade de conexão, problemas nos seus equipamentos e dificuldades para instalar programas

Meninas e mulheres negras estão entre os grupos mais impactados por desigualdades digitais

No Brasil, não contamos ainda com dados precisos sobre o acesso da população negra às tecnologias e à internet, mas as pesquisas existentes mostram um cenário preocupante. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-COVID-19), por exemplo, revelou que o número de estudantes negros e indígenas sem atividade escolar foi o triplo de estudantes brancos em 2020. 

O relatório “A educação de meninas negras durante a pandemia”, do Instituto Geledés, apontou que as desigualdades existentes no acesso à educação entre meninas negras e brancas se aprofundou durante a pandemia. Um dos motivos é a desigualdade no acesso à internet e às tecnologias digitais: a pesquisa, baseada no contato com 105 famílias da periferia de São Paulo e 149 profissionais da educação e organizações da sociedade civil, mostrou que o computador é utilizado por 63,64% das famílias brancas e apenas por 23,81% das famílias negras. Como consequência, a educação de meninas negras foi comprometida: na cidade de São Paulo, enquanto 93,75% das meninas brancas tiveram acesso ao material didático pedagógico, apenas 60,98% das meninas negras o acessaram. 

Reconhecer essas desigualdades é nossa responsabilidade

No Minas Programam, para mitigar os efeitos dessas desigualdades no acesso à internet e às tecnologias digitais, temos adotado há anos algumas medidas: fazemos parcerias com empresas e instituições para doar computadores para nossas alunas e oferecemos apoio financeiro para aquelas que precisem contratar serviços de internet para participar do curso. 

Com isso, queremos garantir que meninas e mulheres negras não sejam impedidas de aproveitar oportunidades de aprendizagem devido ao acesso à infraestrutura. Para alcançar as meninas e mulheres que fazem parte do nosso público, precisamos considerar o contexto econômico e social e investir no combate à desigualdade no acesso à internet e às tecnologias digitais. Além de considerar essas preocupações nas nossas iniciativas, políticas públicas de democratização da tecnologia e de universalização do acesso à internet são fundamentais. 

Quando pensamos em trazer mais meninas e mulheres negras para tecnologia, não basta oferecer cursos e formações. Precisamos também estar dispostas a combater as desigualdades no acesso à internet e às tecnologias digitais. 

Foto de Ketut Subiyanto via Pexels