“Negra, periférica e mãe solo”: a história de Sendy representa muitas mulheres negras que passam por dificuldades para se manter na universidade e seguir carreira acadêmica. Formada em Física pela UFAL e atualmente fazendo Mestrado Profissional na mesma instituição, Sendy contou com bolsa de pesquisa para se manter no curso e criar sua filha.
“Passei por muitas dificuldades durante minha formação por falta de PC/Note próprio, impressões ou livros. […] Muitos não imaginam que um aluno possa não ter o dinheiro de passagem, alimentação, entre outros.” Seu relato mostra a importância de creches dentro da universidade e das políticas de permanência. Sendy afirmou sentir falta não apenas de negros, mas de pessoas de baixa renda em seu curso, o qual notou ser bastante elitista.
Veja a entrevista de Sendy Melissa na íntegra:
Minas Programam: Será que você pode contar um pouco da sua história?
Sendy: Sou da periferia de Maceió, tenho 24 anos, tenho uma filha de 5 anos, Alice. Há um ano e meio, moro apenas com minha filha. Sou bacharela em Física, estou terminando meu primeiro semestre de mestrado, participo do GLAP (Grupo de Líquidos Anisotrópicos e Polímeros) do IF-UFAL, sob a orientação do Prof. Italo Oliveira. Minha pesquisa é relacionada aos surfactantes. Participei duas vezes 2015/2016 de campanha da FAPEAL para visibilização das mulheres nas Exatas.
Minas Programam: Como você escolheu sua área de atuação? Por quê escolheu estudar/trabalhar com isso?
Sendy: Sempre fui muito curiosa e uma apaixonada pelos números! Desde pequena, lembro que ficava encantada com como eles eram “tão exatos”. No Ensino Fundamental, estava decidida a fazer Matemática. Já no Ensino Médio, tive algumas dificuldades com a Matemática e tive um ótimo professor de Física, Prof. Ednaldo Tenório. Quando eu disse que iria fazer Física, ele disse para eu pensar bem e ir para alguma Engenharia. Sei que ele não falou por mal, mas sempre fui muito teimosa e fiz Física.
Minas Programam: Você teve/tem que lidar com racismo e machismo nas instituições (de ensino e de trabalho) que você frequentou/frequenta? Se sim, como foi essa experiência? Quais os principais obstáculos que enfrentou?
Sendy: No primeiro semestre [da Universidade] descobri que estava grávida. Todos acharam que eu iria parar. Muita gente dizia que mulher com filho não tinha pra quê estudar e que eu já tinha um diploma. Enfim, apesar de muito desesperada, não dei ouvido, batalhei para passar em tudo e para conseguir trancar. Passei nas matérias, mas, infelizmente, não consegui trancar. Voltei após 6 meses, mas foi difícil, por questões financeiras e de tempo. Mas no fim do semestre o prof. Marcelo Lyra me concedeu uma bolsa PIBIC e com ela fui até o fim da graduação. Se não conseguisse uma bolsa, teria que desistir.
Durante o curso, muitos colegas e professores não entendiam a situação, tanto por eu ser mãe, como por ser de baixa renda. Com o tempo, percebi que o curso de bacharel em Física era muito elitista, muitos não imaginam que um aluno possa não ter o dinheiro de passagem, alimentação, entre outros. Falar de machismo na minha instituição é bastante complicado, bem como de feminismo. Há muito poucos que concordam com equidade e ações afirmativas e, mesmo assim, pedem para deixar quieto, para não me prejudicar.
Minas Programam: Pra você, é importante que discutamos gênero e raça nas ciências e tecnologia? Por quê?
Sendy: Uma vez fiz parte de uma mesa redonda e apresentei situações que algumas moças passam lá no IF. Tudo anônimo porque as garotas tinham medo de se prejudicar. Uma vez eu estava sozinha no laboratório, um aluno de pós graduação entrou, perguntou o que eu fazia e disse que era muito bom saber que eu estava ali sozinha. Até hoje, não consigo não trancar a porta dos laboratórios em que trabalho.
Minas Programam: Vivemos em um contexto de constante menosprezo do intelecto das mulheres negras. Ao longo de suas trajetórias educacionais, meninas negras são pouco estimuladas a seguirem carreiras que fogem dos estereótipos de sempre. Como você acha que podemos quebrar esse ciclo? Que oportunidades fizeram a diferença pra você?
Sendy: Gostaria, como mãe, de expor aqui o quanto é importante ter creche e escola infantil dentro da universidade. Conheço muitas mulheres incríveis que abandonaram o emprego ou trabalham muito pouco por conta dos filhos, pois sabemos que na nossa sociedade tudo sobra para a mãe. Imaginem quantos trabalhos incríveis estamos perdendo! E quantas mentes! J.K. Rowling, pelo que sei, por algum tempo viveu com auxílio do governo e sua universidade tinha convênio com creche/escola onde ela podia deixar seus filhos. Já pensou se ela não tivesse esse apoio? E não somente ela ganhou com isso, mas a universidade e o mundo também! Faz-se necessário um maior apoio e amparo para estudantes que tenham dificuldades financeiras.
Fico muito triste em olhar para o lado e ver tão poucas mulheres e negros. Sendo que em minha periferia, bem como nas periferias em volta da universidade, há tantas mulheres e tantos negros! O que faz a diversidade nas formas de pensar é a vivência das pessoas. Representatividade também é muito importante, quebrar estereótipos, mostrar que não há padrão. Mostrar que qualquer pessoa, qualquer garota, qualquer negra pode conquistar o que quiser e ir fazer o que gosta, iniciando por mostrar a variedade de coisas que ela pode gostar!