Margareth-Rago-2A rua Augusta é conhecida há décadas como a zona boemia da juventude paulistana. De tempos em tempos, os espaços ocupados por intelectuais, jovens, artistas tendem a mudar, de acordo com as mudanças da cidade. A “noite” paulistana ganhou notoriedade na Belle Époque, e transformou a cidade completamente no começo do século XX.

Margareth Rago, historiadora paulistana nascida em 1948, escreveu sobre a introdução das mulheres ao espaço urbano – e boemio – na cidade de São Paulo, no começo dos anos 1900:

 

sao-bento-paulistano-1920-b“Herdando uma tradição em que as jovens eram socializadas em convívios extremamente fechados, sobretudo no seio das elites formadas por proprietários de terras e de escravos, sua crescente participação na esfera da vida pública, num momento de intenso crescimento urbano-industrial e de modernização da vida social, não podia deixar de suscitar um novo esforço no sentido de seu adestramento enquanto futura missionária da pátria e futura formadora dos cidadãos e da raça, em consonância com os preceitos dos pensadores conservadores do século passado.

Entre as jovens da elite, as missas deixavam de ser o entretenimento principal e a frequência aos passeios públicos, confeitarias, teatros, cinemas e clubes, assim como as novas práticas esportivas e a própria inserção no mercado de trabalho, seja enquanto estudantes, seja enquanto normalistas, professoras ou meras consumidoras, davam-lhes maior visibilidade. As revistas do começo do século destinavam várias seções à observação dos trajes vestidos pelas moças por ocasião de sua presença nos cinemas e teatros, a exemplo de O Pirralho, A Cigarra, A Vida Moderna ou A Mensageira.

palestra-sao-bento-1920-c1Os educadores aconselhavam a leitura de romances leves que formassem o caráter delicado da jovem, afastando-a dos temas quentes e picantes. Entre as mais pobres, sua presença maciça enquanto operárias nas fábricas, a exemplo da tecelagem, fez com que anarquistas e socialistas alertassem contra as ameaças de sedução dos contramestres e patrões e lutassem pelos direitos trabalhistas da mulher.

Preocupados com a moralidade das moças, os libertários definiram um discurso normativo que condenava a prostituição e muitas práticas de lazer, como o carnaval e os bailes, considerados imorais e desviantes. Vale lembrar que grande parte da força de trabalho nas fábricas e escritórios era constituída por moças bastante jovens, como atestam as circulares dos empresários ligados ao Centro de Fiação e Tecelagem (CIFT), em São Paulo ou no Rio de Janeiro, em que se comunicavam os motivos de demissão dos trabalhadores considerados “indesejáveis”, nos anos vinte. Ao lado dos agitadores anarquistas, figuravam jovens de 15 e 16 anos responsabilizadas por furtos, roubos de peças, absenteísmo no trabalho. De um lado ou de outro, a preocupação com a moralidade feminina, em especial da jovem ainda em fase’ de definição dos rumos da vida, e que cada vez mais escapava ao controle paterno incitava à produção de discursos moralizadores definidores dos códigos morais de conduta.

Leia na íntegra: Rago, Luzia Margareth. Imagens da Prostituição na Belle Epoque Paulistana. Cadernos Pagu (1), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero — Pagu/Unicamp, 1993, pp.31-44.

Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930 (Margareth Rago)

Leia também: http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/o_nascimento_de_uma_metropole.html