Estamos realizando uma série de entrevistas com mulheres negras que trabalham com tecnologia. A ideia por trás desse projeto é mostrar as trajetórias dessas mulheres e, assim, estimular mais e mais meninas e mulheres a se aventurarem por esse universo.

A entrevistada de hoje é a tester de software Íris Xavier. Negra, lésbica e periférica, a Íris tem 24 anos e cultiva uma curiosidade por tecnologia desde pequena. Aos 13 anos montou e desmontou o seu primeiro computador e aos 16 já estava cursando um técnico de informática. Hoje, está prestes a se formar em informática para gestão de negócios na FATEC.

Nessa entrevista, a Íris conta pra gente que ter o exemplo de outra mulher negra trabalhando com tecnologia foi decisivo para o seu futuro: “(…) eu não tenho dúvidas de que ver a minha irmã mais velha ingressar na área de T.I e mostrar que era possível sim uma mulher programar tão bem quanto um homem (e até melhor) me fez ter um pouco mais de fé em mim mesma. Essa inspiração somada a minha curiosidade e meu gosto por coisas que envolvem matemática/física e lógica me fizeram querer trilhar esse caminho”.

Durante a vida profissional da Íris não são raras as situações em que ela lida com misoginia e racismo: “A reação do público (em especial do público masculino branco) ao me ver dissertar sobre planejamento, testes, desempenho entre outras coisas é quase sempre a mesma: ‘para uma negra você é bem informada’, ‘não sabia que uma mulher poderia programar bem’.” Para o futuro, a Íris pretende continuar se aperfeiçoando e apredendo mais: “Hoje estou quase me formando [na FATEC] e o sonho de cursar Engenhara de Instrumentação Robótica se reascendeu.”

Vejam a entrevista na íntegra abaixo:

 

Minas Programam: Conta pra gente um pouco da sua história?

Íris Xavier: Meu nome é Íris, tenho 24 anos. Sou negra, lésbica e periférica (São Mateus, SP). Eu era uma criança consideravelmente peculiar. (Segundo a minha mãe a minha diversão era montar um “teclado” com lego e fingir estar digitando códigos complexos pra salvar o mundo, hahaha). Durante muitos anos da minha vida tive admiração por artes visuais e música e uma paixão inexplicável por automação e robótica. Entre a 7ª e a 8ª séries eu cogitava seriamente ser designer mas quando a minha irmã mais velha (igualmente negra e periférica) ingressou numa faculdade particular (bolsista integral com todos os méritos) pra cursar Sistema de Informação e passou a me mostrar um pouco mais sobre o que era a tecnologia da informação e como funcionavam algoritmos, fluxogramas, bpmn’s … foi paixão ao primeiro contato.

Aos 13 anos desmontei e montei o meu primeiro computador; aos 16 eu ingressei em um curso de técnico de informática pela ETEC Sapopemba, onde eu fui reafirmando a cada dia mais o meu amor por tecnologia (e enfrentando com muito sarcasmo, matemática, lógica e bom humor as tiradas maldosas dos homens que acreditavam que “ali não era o meu lugar” e que “computação não é coisa de mulher”). Como trabalho final meu grupo e eu entregamos um projeto de segurança que controlava a iluminação e as travas magnéticas de uma casa, usando uma aplicação C++, Windows SP e uma placa arduíno (e muitos, muitos leds). Logo depois com quase 18 anos, eu precisava escolher uma faculdade. Eu tinha por objetivo cursar Engenhara de Instrumentação Robótica na Faculdade Federal do ABC, mas por ironia do destino, fiquei 3 pontos abaixo da nota de corte. Mas não desisti do meu objetivo de trabalhar com T.I e prestei vestibular na Faculdade de Tecnologia de São Paulo (aka FATEC) pra um curso de informática para gestão de negócios. Hoje estou quase me formando e o sonho de cursar robótica na federal se reascendeu. Atualmente eu trabalho como tester de software em uma empresa de rastreamento de veículos fretados. Eu tenho um longo caminho pela frente, mas ânimo pra seguir os meus sonhos é o que não pode faltar !

Minas Programam: Como foi a decisão de estudar e trabalhar com tecnologia?

Íris Xavier: Eu tinha as minhas dúvidas quanto a qual carreira escolher uma vez que meus hobbies eram diversos. Mas eu não tenho dúvidas de que ver a minha irmã mais velha ingressar na área de T.I e mostrar que era possível sim uma mulher programar tão bem quanto um homem (e até melhor) me fez ter um pouco mais de fé em mim mesma. Essa inspiração somada a minha curiosidade e meu gosto por coisas que envolvem matemática/física e lógica me fizeram querer trilhar esse caminho.

Minas Programam: Você teve/tem que lidar com racismo e machismo nas instituições (de ensino e de trabalho) que você frequenta? Se sim, como foi essa experiência? Quais os principais obstáculos que enfrentou?

Íris Xavier: Eu tive que lidar com racismo e machismo muito cedo. Não só nos cursos técnicos, mas mesmo por questões de gostos pessoais/ hobbies. “Gostar de videogames é coisa de homem”. “Falar de jogos e desempenho de jogos é coisa de homem”. “Fazer cursos na área de tecnologia é coisa de homem”. A reação do público (em especial o público masculino branco) ao me ver dissertar sobre planejamento, testes, desempenho entre outras coisas é quase sempre a mesma: “para uma negra você é bem informada”, “ não sabia que uma mulher poderia programar bem.” Passei então a me magoar menos e me mostrar mais: ao invés de fazer as coisas na miúda e ficar quieta, comecei a colocar a cara no sol e assumir os erros e os acertos. Porque afinal, só agindo dessa forma pra me fazer “visível” aos olhos mais ignorantes.

Minas Programam: Qual a importância de discutirmos gênero e raça nas ciências e tecnologia?

Íris Xavier: Muita gente desconhece o início de tudo: o princípio da ciência da tecnologia. Desconhecem quais foram as primeiras programadoras, quem foi a Ada Lovelace. Não há a representatividade feminina esperada na História da tecnologia. É preciso mudar esse quadro e mostrar que as mulheres existem e resistem nas áreas tecnológicas sim. É preciso pensar em especial a questão da mulher negra, que por conta do racismo já é anulada [do setor]; quanto se leva em consideração o gênero, somos duplamente anuladas.

Minas Programam: Vivemos em um contexto de constante menosprezo do intelecto das mulheres negras: ao longo de suas trajetórias educacionais, meninas negras são pouco estimuladas a seguirem carreiras que fogem dos estereótipos de sempre. Como você acha que podemos quebrar esse ciclo? Que oportunidades fizeram a diferença pra você?

Íris Xavier: Na minha construção como pessoa e como profissional, as oportunidades fizeram toda a diferença. Eu tive que agarrar com unhas e dentes todas as chances que me foram dadas. E dar 110%de mim pra fazer valer o meu trabalho. Mesmo fazendo algo certo, constantemente eu era (e sou) bombardeada com perguntas que eu sei que não seriam feitas para um homem (talvez até fossem feitas se o homem em questão fosse negro). Eu acredito que o primeiro passo pra quebrar essa barreira é trabalhar a autoestima da mulher: fazer ela se firmar e crer que ela pode SIM seguir uma carreira na área e mais que isso, que ela NÃO estará só nessa luta. E claro, temos que buscar aumentar as oportunidades de emprego, pois a experiência é um componente poderosíssimo quando se trata de concretizar uma carreira em alguma profissão.